segunda-feira, 17 de maio de 2010

A INFLUÊNCIA DA CENSURA NO DESENVOLVIMENTO DAS COLEÇÕES DE MATERIAIS DE INFORMAÇÃO

A censura consiste em um conjunto de esforços no sentido de vetar o acesso das pessoas a algo que possa ser lido, visto ou ouvido (BOAZ, 1970). Esses esforços podem ter origens diversas, inclusive legais. Mas normalmente este veto é justificado por razões políticas, morais, ideológicas, religiosas, culturais etc. Podemos pensar que censura é característica dos estados totalitários, e de fato é, mas nas sociedades livres a censura não oficial também se manifesta. Na verdade, ainda que a censura tenha estado presente de forma mais acentuada em determinados momentos históricos, a censura explicita ou não sempre acompanhou a geração da informação. Ela é um problema antigo ainda não equacionado. Na história do Brasil um período de muitas restrições com relação à liberdade na formação e desenvolvimento de coleções das bibliotecas foi de 1964 a 1984, período em que o país foi governado por militares.

Muito se fala e se falou sobre obras censuradas no Brasil durante o regime militar. Mas há um silêncio pouco explicado com relação à censura dos acervos das unidades de informação brasileiras. No entanto, sabemos que a censura agiu trancando livros e periódicos em armários, proibindo a edição de livros de autores e de editores com ideologias contrárias ao regime vigente. Um dos editores perseguidos foi Enio Silveira da Civilização Brasileira que além da perseguição política, sofreu restrições de créditos e outros embargos, o que comprometeu o seu trabalho como editor.

Logo após o golpe de 1964, o Brasil teve um ministro da Educação, ex-reitor de uma importante universidade brasileira, que demonstrou a sua preocupação com a leitura de toda a nação e como conseqüência milhares de livros foram confiscados de livrarias e editoras pelas mais diversas razões: por falarem de comunismo, pelo autor ser considerado pessoa perigosa para o regime vigente, por serem traduções do russo ou “porque as capas dos livros eram vermelhas”. E, como já mencionado, um dos alvos principais da prática de confisco, eram as obras editadas pela Civilização Brasileira.

É claro que essas práticas de proibições e confiscos, influenciaram o desenvolvimento de coleções das bibliotecas brasileiras que não só tiveram que retirar, por ordem de alguém, obras consideradas nocivas ao regime das prateleiras, como foram impedidas de adquirir publicações que, embora desejadas por seus usuários, nunca chegaram a ser incorporadas ao acervo pelo fato de terem sido confiscadas após a publicação ou até mesmo impedidas de serem editadas e distribuídas.

Mas essa é a censura que coloca o bibliotecário em certa zona de conforto. É fácil explicar para o usuário que a obra x não foi adquirida porque ela está proibida no país. O bibliotecário sai da zona de conforto quando tem que explicar a um usuário que a obra y não foi adquirida porque a instituição mantenedora da instituição é contrária à religião discutida na obra ou porque ele próprio, bibliotecário, não adquiriu certa publicação por considerá-la pouco educativa ou não apresentar os padrões de uma obra considerada de qualidade. Evans destaca entre os princípios de desenvolvimento de coleções que esse processo foi, é e sempre será subjetivo. A intervenção dos valores pessoais do selecionador no desenvolvimento de coleções nunca poderá ser completamente evitada. O problema difícil de ser equacionado é quando essa intervenção ultrapassa os limites da seleção estabelecidos na política de desenvolvimento de coleções e se configura como um caso de censura do bibliotecário.

É importante ressaltar, portanto, a diferença entre censura e seleção em bibliotecas. Nos dois casos ocorre um processo de rejeição, mas enquanto na censura a rejeição de uma obra se dá por motivos externos à instituição em que a biblioteca está inserida, como razões de caráter religioso, político, ideológico entre outros, na seleção ela ocorre por motivos que estão dentro da biblioteca, como os seus usuários, os critérios de seleção estabelecidos na política de desenvolvimento de coleções, os recursos disponíveis, o acervo já existente além de outras especificidades internas.

A política de desenvolvimento de coleções das bibliotecas pode amenizar possíveis atos de censura por parte dos bibliotecários, pois ela apresenta os critérios que norteiam o desenvolvimento do acervo, mas a comunidade usuária pode desempenhar papel inverso quando pressiona a biblioteca para que retire obras controvertidas do acervo. É a chamada censura dos usuários, a mais difícil de ser combatida, pois quando o bibliotecário cede as pressões de um grupo de usuários fatalmente estará desrespeitando outro grupo que deseja ter acesso a tais obras. Vale lembrar que os livros proibidos no regime militar, em muitos casos, foram alvo de denuncias que partiram de pais, professores e associações diversas. Portanto, não é só o Estado, a religião ou o bibliotecário que pratica a censura, mas principalmente a sociedade como um todo, sempre que se sente ameaçada.

Por isso, embora a censura tenha influência comprovada no desenvolvimento de coleções, ela deve ser combatida sempre, pois o bibliotecário deve se lembrar do seu compromisso no sentido de garantir a todos os usuários o livre acesso à informação, mesmo que ele não concorde absolutamente com ela.

Por: Ivone Guerreiro Di Chiara. Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Biblioteconomia, professora do Curso de Biblioteconomia da Universidade Estadual de Londrina.

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